
Este ano, os ipês retardaram suas floradas e os sabiás permaneceram mais tempo emudecidos, mas a primavera, aos poucos, vai anunciando sua inevitável chagada renovadora da vida. E as farruscas, que toldam nossos horizontes, também vão se transformando em sorrisos, como borboletas que se libertam dos casulos. E não podemos matar a esperança que renasce com o fim da invernia, pois ela, à feição da semente adormecida, que germina, é possibilidade do fruto que adiante nos alimentará.
Isso, na vida real e na metáfora da poesia que, aqui e ali, brota nos corações menos embrutecidos. Eu sei, amigos, que cada vez mais é difícil nos entretermos com suavidades quando tanta aspereza machuca nosso dia a dia; quando sair de casa para o trabalho - prosaica atividade cotidiana - é exercício permanente de paciência com as imperfeições alheias e com a incompetência de quem administra nossas maltratadas comunas e tenta esconder essa incompetência escudando-se na sempre alegada falta de recursos, como se a falta deles fosse novidade e descoberta tardia. Pergunto, houvesse recursos em abundância quem de nós não se habilitaria à tarefa de gerir, com grande probabilidade de sucesso, a administração da cidade?
O bom gestor é aquele que, na escassez, faz as opções certas e investe no que é básico para que a vida de sua comunidade se desenvolva com o mínimo de transtornos. Manter a cidade organizada e funcionando é o mínimo que qualquer gestor público medíocre pode e deve fazer. E nem a incompetência enfumaçada, com cara de inverno denso e permanente, pode nublar o sol que aquecerá nossos corações quando a primavera, que se anuncia, chegar risonha e destampada. Mas não é demasia repetir que boa parte da afirmação da primavera, hoje e sempre, depende e dependerá de nossa disposição anímica de vivê-la com máxima responsabilidade cidadã. E isso implica fazer escolhas adequadas às expectativas que tenhamos em relação ao futuro da nossa cidade, de nosso Estado e de nosso país. Que país queremos?
O da primavera iluminada pela paz, pela igualdade e pela justiça social ou o país invernal, sombrio, turvado pela intolerância, pela beligerância, pelo fosso, cada vez maior, da desigualdade social e da concentração de renda e de riquezas? Que país queremos, a pátria amada, justa e solidária ou a pátria armada, truculenta e excludente? Sem nossa participação efetiva, responsável e voltada para o futuro, que não será nosso, mas de nossos filhos e netos, a primavera, que está chegando, será apenas mais uma estação no ano. Mais uma que desperdiçaremos, ensimesmados em nossos próprios e particulares problemas e esquecidos de que o mundo e a vida vão além dos nossos próprios umbigos. Do fim dos buracos de nossa cidade à inclusão definitiva do Brasil na modernidade e em processo permanente de desenvolvimento humano e econômico, a escolha será sempre nossa!